Não há amor onde não há entrega. Os que se fecham em si mesmos, os que se trancafiam em seus desejos, os que se imaginam o centro de tudo, esses se perdem nos egoísmos comuns dos que não amam. Os que assim agem, quando estão casados, exigem a renúncia do outro, querem o que não dão, acham-se - de alguma maneira - mais merecedores da realização pessoal do que o outro. Podem, inclusive, estar juntos há muitos anos. Mas, perdoe-me, sem amor.
Há histórias de violência e de acomodação. Há histórias de desrespeito e de humilhação. Vidas desperdiçadas. Piadas incômodas. Ditos mal escolhidos. Lembro-me de um marido dizendo, em tom de galhofa, que trocaria a mulher de 50 por duas de 25, que custariam menos e dariam mais prazer. Os filhos à mesa observavam os gestos do pai. Machismos colocam as mulheres como objetos. E não falo do ontem, mas do hoje. Cenas que se sucedem como uma sina triste de incompreensão de uma verdadeira história a dois.
Carlos diz a Beth que está melhor, que ela fique tranquila. Ela sorri. Ele prossegue dizendo: "Minha mulher é linda, não é?". Eu aceno com a cabeça concordando. Beth diz alguma coisa que está mal arrumada, que trabalhou a manhã toda. E olha novamente para o seu amor. E ele me olha dizendo que é um homem de sorte, em um mundo tão grande, encontrar sua Beth, é bom demais.
Beth é mais tímida do que Carlos. Pega em sua mão. Agradece sorrindo. Ele pede licença e vai pegar alguma coisa. Ela começa a elogiá-lo, a dizer o quanto ele faz para ajudar as pessoas, o quanto ele se desdobra para que todo mundo esteja feliz. Reclama de alguns que não são corretos. Conta uma e outra história. Ele volta. Senta-se novamente. Pega a mãe de sua mulher e beija com carinho. E se olham. E me conta dos anos em que estão juntos. Já me falaram sobre isso outras vezes. Mas é sempre muito bom ouvir. E ver a sinceridade do enredo. As palavras bem colocadas nascidas dos sentimentos.
Chega a sobremesa. Eu lamento que o almoço esteja terminando. Era um dia comum feito extraordinário com aquele amor. Conversamos um pouco mais sobre a vida. Sobre os tempos difíceis que estamos vivendo. Sobre a necessidade de estarmos mais próximos. De nos aquecermos com os nossos afetos.
Chega o café bem quente. E eu conto, a eles, uma história que vivi com uma escritora. Perguntou-me ela se eu gostava de café. Eu disse que “sim”. Ela aumentou o entusiasmo para dizer que gostava muito. E respirou fundo dizendo que já sentia o cheiro. Que já estavam trazendo. Quando chegou o café, ela prosseguiu em seu prazer simples. E confidenciou-me que gostava, também, de mexer o café com o dedo, "esquenta o dedo da gente".
Carlos e Beth riram, olharam para as suas xícaras, mas não quiseram experimentar a quentura do café no dedo. Preferiram continuar com o prazer do olhar, do sorrir e do me receber ali naquele recanto encantado de um dia comum.
Por: Gabriel Chalita (fontes: Diário de S. Paulo e O Dia - RJ) | Data: 09/07/2017